sábado, 18 de junho de 2011

O livre comércio, a volatilidade do preço das commodities e a segurança alimentar

As commodities continuam sendo um dos temas centrais das atuais discussões internacionais. Como já abordado neste blog, dois relatórios sobre o tema foram publicados recentemente, o “Price Volatility in Food and Agricultural Markets: Policy Responses” e o “Price Formation in Financialized Commodity Markets: The Role of Information”. O primeiro foi coordenado pela FAO e pela OCDE e o segundo pela UNCTAD.

Conforme mencionei, o Brasil é um grande exportador de alimentos e deve ficar atento nestas negociações. Países desenvolvidos estão utilizando a volatilidade dos preços e a segurança alimentar como argumentos para justificar mais subsídios ao setor, o que provavelmente prejudicará o fluxo do comércio, sem atentar que estes mesmos subsídios podem ser um dos fatores que influenciam alta dos preços.

Abaixo, segue uma interessante notícia de autoria de Assis Moreira, publicada no Valor Econômico do dia 17, que aborda de forma clara esta situação.

O G20 a França e os subsídios

Os ministros de Agricultura do G-20, dos principais países desenvolvidos e emergentes, lançarão em Paris, semana que vem, um plano de ação visando a volatilidade nos mercados de commodities e reforço da segurança alimentar. O pacote, porém, dificilmente terá o efeito de curto prazo que queria a França, na presidência do grupo.

Sob pressão de exportadores como Brasil, Argentina e Estados Unidos, a França recuou nas idéias "audaciosas" para limitar os preços. Os franceses pararam de insistir na idéia de intervenção nos mercados físicos de produtos agrícolas, o que levaria à formação de estoques pelos governos e mais uso de subsídios que distorcem a agricultura.

Além disso, volatilidade dos mercados agrícolas e segurança alimentar estão intimamente interconectados. Mas não é na semana que vem que sairá algo mais concreto sobre a regulação dos mercados futuros de commodities para frear a influência de investidores financeiros e enquadrar produtos derivativos. Houve uma divisão de trabalho no G-20 sobre o tema. Os ministros de Agricultura opinarão. Decisão mesmo virá mais tarde com os ministros de Finanças, para ser levada aos chefes de Estado e de governo em novembro, na cúpula de Cannes.

Pacote dificilmente terá efeito no curto prazo

A França juntará, assim, várias pequenas medidas para dar um certo volume no comunicado dos ministros de Agricultura. O plano de ação será importante, a cooperação internacional vai aumentar, mas seus efeitos, como aumentar a produção, só virão no médio e longo prazo.
Esta semana, o presidente francês Nicolas Sarkozy, em campanha eleitoral, acusou os preços altos agrícolas e energéticos de ameaçarem o crescimento da economia mundial. E insistiu no vínculo entre especulação e volatilidade.

O que a França e outros países marcadamente protecionistas resistem a reconhecer é que a volatilidade e a segurança alimentar no longo prazo dependem também do comércio internacional, que continua mostrando grandes distorções. A posição brasileira apresentada no G-20 agrícola chama atenção para os subsídios e destaca as divergências de analistas sobre o efeito da volatilidade dos preços sobre a segurança alimentar.

Um estudo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) concluiu que a volatilidade atual não é novidade. Os preços no período 2006-10 foram mais altos do que nos anos 1990, mas, no geral, não mais elevados do que nos anos 1970. Indica que eventos de rápida alta de preços nos últimos 50 anos foram geralmente seguidos de queda forte no ano seguinte para a maioria das commodities. Inegável mesmo é que fatores estruturais atuam do lado da demanda e da oferta a ponto de mudar o ritmo de preços para algo diferente do que se viu nos últimos 30 anos.

Na outra direção, a Agência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) vê evidencias de que a participação de investidores financeiros nos mercados de commodities aumentou a volatilidade, acelerando e amplificando os movimentos nos preços das commodities.

Análises mais recentes tendem para a conclusão de que a alta de preços é questão mais de fundamentos do que de especulação. A demanda cresce rápido, em parte como resultado de maior renda nos emergentes, e a oferta tem sido afetada por fenômenos climáticos.

Segurança alimentar tem múltiplas causas entrelaçadas, na visão brasileira. Os preços altos de alimentos podem ser culpados no curto prazo. Mas crise alimentar reflete problemas de mais longo prazo, incluindo produtividade baixa e em declínio em vários países em desenvolvimento.

Um dos maiores entraves para uma agricultura mais produtiva em países sofrendo de insegurança alimentar são as práticas de vários desenvolvidos, como a França. Subsídios e barreiras em mercados desenvolvidos deslocam produção e ameaçam os meios de subsistência em várias nações em desenvolvimento. Muitos países pobres se tornaram importadores líquidos de alimentos nos últimos 20 anos.

Outro elemento que levou às crises alimentares é o desmantelamento ou enfraquecimento do apoio, em vários países em desenvolvimento, à agricultura familiar, assistência ao credito, compras de comida pelo governo. O desmonte dessas políticas fez frequentemente parte de condicionalidades impostas pelas instituições financeiras internacionais. Além disso, os bancos multilaterais de desenvolvimento reduziram consideravelmente seus financiamentos à agricultura, fazendo declinar os investimentos na capacidade produtiva em vários países.

O Brasil aponta, no mesmo processo, que os estoques de muitas colheitas foram gradualmente transferidos dos produtores de países em desenvolvimento para os consumidores de países ricos, através do poder de grandes multinacionais do setor agroalimentar. Companhias importadoras com grande capacidade de estoques podem comprar a produção no momento da colheita por menor preço e vendê-la na entressafra, por preço mais elevado. Com os estoques públicos declinando nos países em desenvolvimento, houve a transferência do poder de mercado e dos lucros dos produtores aos intermediários.

As causas da volatilidade são bem mais amplas do que aquelas cuidadosamente selecionadas pela França no G-20 para abordar o problema.

Fonte: Valor Econômico - 17/06/2011


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