domingo, 31 de julho de 2011

Entendendo a OMC e seu sistema de solução dos controvérsias

A Organização Mundial do Comércio (OMC) possui um conjunto de acordos contendo as normas que regulam as relações comerciais internacionais. Este conjunto normativo estabelece os direitos e deveres de cada um dos países membros da Organização. Todavia, estes acordos podem ser interpretados de formas distintas ou, ainda, podem ser descumpridos, ocasionando um conflito entre os países membros. Importante salientar que a palavra “conflito” tem inúmeros sinônimos, que poderão ser utilizados indistintamente, como por exemplo: controvérsia, litígio, disputa, etc.

Ocorrendo o conflito, os países devem utilizar o sistema de solução de controvérsias instituído pela OMC, a fim de que o conflito seja analisado e solucionado, de modo a garantir que os membros cumpram com as normas comerciais, garantido maior segurança jurídica ao sistema.

Principais mudanças

O sistema de solução de controvérsias da OMC está disciplinado no acordo denominado Entendimento sobre Solução de Controvérsias (ESC – Anexo 2) e é considerado um dos mais significativos resultados da Rodada do Uruguai. A própria OMC o considera como “a pedra angular do sistema multilateral do comércio”. Isto porque, diferentemente do modelo adotado no GATT/47, o sistema de controvérsias da OMC tem uma série de regras que visam garantir sua eficácia, trazendo segurança e previsibilidade ao comércio internacional, preservando os direitos e deveres de seus membros.

As principais alterações foram:

- Estabelecimento de etapas bem definidas e prazos – No GATT não havia regras quanto à etapas e prazos, e muitos países se prevaleciam de seu poder econômico para “emperrar” o processo. Na OMC foram estabelecidas etapas bem definidas e prazos razoáveis para que os conflitos sejam analisados com rapidez e segurança.

- Prazos flexíveis – Em alguns casos os prazos poderão ser prorrogados (quando a causa a ser solucionada envolve assuntos complexos ou por outros motivos devidamente justificados) ou reduzidos (em casos de urgência, como por exemplo, quando se analisam conflitos envolvendo produtos perecíveis)

- Consenso negativo – As decisões são tomadas pelo consenso negativo, ou seja, a resolução se adota automaticamente a menos que haja um consenso para rejeitá-la. Este método evita que o país “perdedor” obstrua a aplicação da resolução, o que acontecia no procedimento anterior do GATT, onde as resoluções somente poderiam ser adotadas por consenso, o que significa que uma só objeção podia bloquear a aplicação.

- Possibilidade de aplicar sanções – Na OMC, caso as recomendações do Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) não forem observadas, o país ofendido poderá solicitar ao OSC a aplicação de uma sanção, ou seja, de uma penalidade.


Características

Além das características acima, há outros aspectos importantes que devem ser observados e que a seguir listados.

- Solução pacifica – Apesar de dispor sobre um método de composição de controvérsias, a OMC prefere que os países cheguem a uma solução mutuamente acordada, sem a necessidade de sua intervenção. Assim, o ESC prevê que antes de se estabelecer o painel, os membros deverão entabular consultas (negociações diretas prevista em tratado). Ademais, permite que a qualquer momento as partes podem chegar a um acordo através de negociações (§ 7º do art. 3 e art. 11 do ESC).

- Obrigatoriedade do sistema e Jurisdição exclusiva – De acordo com o ESC, se houver algum conflito entre os membros sobre alguma norma da OMC, os países deverão adotar, obrigatoriamente, o sistema de solução de controvérsias da Organização, sendo proibida a utilização de qualquer outro foro para solucionar a lide (art. 23 do ESC). Importante frisar que somente os Estados podem utilizar o sistema, assim, se os nacionais de algum país membro se sentirem lesados, deverão solicitar ao seu governo que recorram à OMC.

- Proibição de aplicação de ações de forma unilateral - Havendo controvérsia entre os países, estes poderão procurar o sistema de solução de conflitos da OMC, mas jamais poderão aplicar qualquer tipo de sanção ou punição unilateralmente, sem autorização da Organização.


Procedimentos da OMC para a solução de controvérsias

De acordo com o ESC, o método de solução de conflito tem três etapas: a via diplomática (negociação entre as partes mediante consultas); a jurisdicional (análise e relatório do Painel ou do Órgão de Apelação); e a aplicação de resolução, que inclui a possibilidade de adotar sanções se a parte vencida não cumprir com as recomendações.

Primeira etapa

Antes de solicitar o estabelecimento do painel, os países devem negociar entre si, para tentarem solucionar o conflito sem interferência de terceiros (consultas). Poderão, também, solicitar a mediação do conflito pelo Diretor Geral da OMC. A consulta deve ser realizada num prazo de 60 (sessenta) dias.

Segunda etapa

Na via jurisdicional, será estabelecido pelo OSC o painel. Trata-se de um grupo especial, formado por 3 a 5 pessoas, que analisará o conflito e elaborará um relatório contendo os fatos, argumentos das partes, e a posição do grupo sobre as questões levantadas. Caso os países não concordem com o posicionamento do painel, poderão recorrer do relatório para o Órgão de Apelação (OA) que, por sua vez, poderá manter ou modificar o entendimento do painel.

Painel

Se os países não conseguirem entrar num acordo durante as consultas, o país reclamante poderá pedir ao OSC que estabeleça um painel. O painel deverá ser constituído num prazo de 45 dias. Após sua constituição, terá 6 meses para emitir o relatório com suas conclusões. Em casos de urgência, por exemplo, produtos perecíveis, este prazo poderá ser reduzido para três meses.

Durante a análise do conflito, se houver questões de caráter científico ou técnico, o painel poderá solicitar uma consulta à peritos para que se prepare um relatório a respeito.
Antes do relatório definitivo o painel enviará aos países envolvidos um relatório provisório (no qual se incluem uma síntese dos fatos, os argumentos apresentados, as constatações e as conclusões). Discordando com algum item do relatório provisório, os países terão duas semanas para solicitar um reexame.

Posteriormente, o painel enviará aos países o relatório definitivo. Se os países não recorrerem em até 3 semanas, o relatório será enviado para todos os membros da OMC.
Caso o painel entenda que um dos países envolvidos esteja descumprindo um dos acordos da OMC, poderá recomendar que este membro cumpra com as disposições.
Passados 60 dias do envio do relatório definitivo, este se converte em uma resolução ou recomendação do OSC, a não que os membros o rejeite por unanimidade (consenso negativo).

Órgão de Apelação (OA)

Ambas as partes podem apelar contra a resolução do painel. As apelações devem basear-se somente em questões de direito. Por exemplo, em uma interpretação jurídica não é possível examinar novamente as provas existentes nem examinar novas questões.

Cada apelação é examinada por três membros do Órgão de Apelação. Os membros do OA poderão confirmar, modificar ou revogar as constatações e conclusões jurídicas do painel.

Normalmente, a duração do procedimento de apelação não deverá exceder a 60 dias, podendo ser prorrogado por mais 30 dias nos casos mais complexos. Todavia, em nenhuma hipótese poderá ser superior a 90 dias. O OSC terá que aceitar ou rejeitar o relatório do OA em um prazo de 30 dias, mediante o sistema do consenso negativo, ou seja, se todos os membros entenderem pela rejeição do relatório.


Terceira etapa

Se o OSC, baseado no relatório do painel ou do Órgão de Apelação, entender que um país está descumprindo uma norma da OMC, este membro deverá se readequar, colocando coloque sua política em conformidade com a resolução ou recomendação. Caso continue infringindo estas normas, deverá oferecer uma compensação ou sofrer uma sanção.

Frisa-se que as sanções somente serão aplicadas, mediante solicitação do país vencedor ao OSC, que a autorizará caso a outra parte deixe de cumprir as determinações disposta na resolução.

Em princípio, as sanções devem ser impostas no mesmo setor em que haja surgido a diferença. Se isso não for possível, poderá ser aplicada em um setor diferente no marco do mesmo acordo. Se também isto for impraticável ou ineficaz, poderão ser adotadas medidas no marco de outro acordo.

Em qualquer caso, o OSC fiscaliza a maneira como são cumpridas as resoluções adotadas.

Brasil e o OSC

O Brasil é um grande usuário do sistema de solução de controvérsias da OMC, estando na quarta posição do ranking dos demandantes para solução de controvérsias perante a OMC, segundo o número de consultas (atrás somente dos EUA, UE e Canadá). Ademais, é vencedor de controvérsias importantes como, por exemplo, o caso Embraer/Bombardier, Algodão, Açúcar, Frango, etc.

Importante frisar que, apesar de ser considerado um país em desenvolvimento, o Brasil possui ótima capacitação técnica para conduzir processos (caso único entre países em desenvolvimento).

Referências

BARRAL, Welber Oliveira (Org.). O Brasil e a OMC: os interesses brasileiros e as futuras negociações multilaterais. Florianópolis:Diploma Legal, 2000.
JO, Hee Moon. Introdução ao Direito Internacional. São Paulo:LTr, 2000.
HUSEK, Carlos Roberto. Curso de Direito Internacional Público. 2ª ed. São Paulo: LTr, 1998.
LAFER, Celso 1941-. A OMC e a regulamentação do comércio internacional: uma visão brasileira, Porto Alegre:Livraria dos Advogados, 1998.
MELLO, Celso D. Albuquerque de. Curso de Direito Internacional Público. 2º Vol. 12ª ed. Rio de Janeiro:Renovar, 2000.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO. www.wto.org
THORSTENSEN, Vera. OMC: Organização Mundial do Comércio, as regras do comércio internacional e a nova rodada de negociações multilaterais, 2. ed. rev. ampl. São Paulo:Aduaneiras, 2001.

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