sexta-feira, 27 de abril de 2012

Unctad expõe racha entre ricos e emergentes

Fonte: Valor Econômico
Autor:Assis Moreira

Emergentes e países desenvolvidos protagonizaram novo confronto até os momentos finais da conferência ministerial da Agência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), encerrada ontem, ilustrando dificuldades para a Rio+20 e outras negociações, como a escolha do diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC).

A briga diplomática em Doha foi emblemática por expor todas as fissuras e contradições na governança global e o impacto nos rumos da economia. "E essa briga está apenas começando", previu o embaixador brasileiro Roberto Azevedo, ao fim da longa discussão que só acabou de madrugada.

A negociação entre os 194 países-membros focou oficialmente o papel da Unctad e sua eficácia na governança global. Mas o pano de fundo era a pressão dos ricos para a entidade reconhecer que existe uma nova categoria de "países em desenvolvimento avançado", ou seja, emergentes como Brasil, China e Índia. E, segundo, a divergência ideológica sobre a perspectiva política da Unctad, que quer ser uma espécie de "think tank" dos países em desenvolvimento e tem análises bem distintas do FMI, Banco Mundial e outras entidades.

Para Brasil, China, Índia e outros emergentes, a diferenciação entre países em desenvolvimento é uma tentativa dos ricos de transferir a conta dos estragos da crise causada pelo mundo desenvolvido.
Os ricos insistem, por exemplo, em cobrar que os emergentes ajudem mais na saída da crise, liberalizando adicionalmente seus mercados para importar mais. Já os emergentes, apoiados pela Unctad, retrucam que desenvolvidos precisam é colocar sua casa em ordem, com reformas em favor do crescimento, e não com austeridade, que os afunda na recessão.

Os emergentes sabem que é difícil ignorar a diferenciação hoje no mundo em desenvolvimento, mas querem retardar isso o máximo possível. Até porque, ao mesmo tempo que Brasil, China e Índia não podem se comparar ao Paraguai, tampouco têm as condições dos EUA ou da Alemanha, argumenta um negociador.

Além disso, os emergentes veem mais demanda para assumir responsabilidades do que contrapartida na fatia de poder. Um exemplo é FMI, onde os emergentes são chamados a reforçar os cofres da entidade para socorrer europeus em crise. No entanto, justamente os europeus retardam a reforma que dará mais poder aos emergentes dentro do FMI.

Na OMC, os emergentes vão querer a direção geral, numa nova briga que vai se ampliar no segundo semestre. Isso afeta o futuro das negociações comerciais. Emergentes reclamam que os ricos apareceram com uma "nova narrativa comercial", que implica enterrar de vez a Rodada Doha, e assim a tentativa de abertura agrícola e outros temas de interesse de países em desenvolvimento. E querem privilegiar questões como facilitação de comércio e reforçar novas cadeias globais de produção.

Por duas vezes as discussões na reunião da Unctad foram suspensa. Na segunda vez, foi por reação do Brasil à tentativa da Alemanha de rever um acordo negociado no dia anterior para a Unctad continuar contribuindo na pesquisa e análise do impacto sobre os países em desenvolvimento, em matéria de comércio e desenvolvimento.

Na barganha final, os países em desenvolvimento conseguiram manter o papel da Unctad para examinar impacto da crise financeira e incluíram referências à proteção de recursos genéticos e conhecimentos tradicionais. Os países ricos se contentaram com a menção à economia verde, levando em conta o princípio de responsabilidade diferenciada.

Já quase na manhã de ontem, foi, enfim, acertado um novo mandato para a Unctad. "O resultado reforça a organização", comemorou o secretário-geral, Supachai Panitchpakdi. Europeus também se disseram satisfeitos. Já as ONGs acham que a guerra contra avaliações da Unctad continuará. "Ao atacarem o mandato da Unctad, os desenvolvidos se recusam a reconhecer as raízes da crise financeira", acusaram ONGs. "Os desenvolvidos não podem aceitar isso, porque significa reconhecer que suas políticas estavam erradas", diz Romain Benicchio, da Oxfam.

Sobre a crise financeira, Supachai insistiu que os esforços para a reforma financeira internacional são pontuais e inconsistentes com os riscos de que a economia mundial retorne ao "business as usual".

Um fórum sobre padrões de sustentabilidade foi anunciado pela Unctad e outras quatro agências da ONU. A ideia é ajudar países em desenvolvimento a se preparar para a nova tendência de padrões voluntários de sustentabilidade social, ambiental e outros, para poderem exportar.

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